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PROCESSOS DE CONTROLE – PROCESSO ESTATAL DE FISCALIZAÇÃO E FUNÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS.

  • Artigos MSEMA
  • 24 de jul. de 2020
  • 17 min de leitura

PROCESSOS DE CONTROLE – PROCESSO ESTATAL DE FISCALIZAÇÃO E FUNÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS.

Direito de controle. O Direito Fiscal ou de Controle deve ser concebido como a esfera do direito público a que se reservam os trabalhos de fiscalização dos Poderes republicanos no exercício das funções do Estado. Representa um campo ainda incipiente no aspecto estrutural e dogmático, comparativamente ao seu aspecto prático, hoje bastante avançado. Nele protagonizam todos os entes com atribuição para exercer a fiscalização sobre os demais membros e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta; e extensivamente aos particulares que com ela se relacionem nos termos da moldura constitucional ou legal que reconheça estabelecer-se uma relação jurídica sujeita a controle. Verdade que a denominação Direito fiscal, embora bem descreva a verdadeira função de fiscalização acometida a essa esfera de atuação, pode confundir pelo uso corrente que dela se faz para aduzir ao campo de estudo e da atuação do Fisco ou do próprio Direito Tributário. Por conta disso, também adotamos a já cunhada insígnia de controle para expressar a seara em comento – embora façamos uso tanto de uma quanto de outra no decorrer deste trabalho. As expressões institucionais do direito fiscal, ambas de estatura constitucional, são o ministério público e o tribunal de contas, sendo que daremos, aqui, destaque ao que chamaremos de processo de controle, sobremodo no quanto desenvolvida no âmbito desta segunda figura. Isso, porque, acreditamos, a ocorrência de parca doutrina especializada permite a subsistência de uma zona cinzenta, e outra de intenso embate, sobre questões de alto escalão, como a natureza desses processos, a conferência de jurisdição aos órgãos de controle, a configuração de coisa julgada e a possibilidade de revisão judicial, a necessidade de defesa técnica, demanda um continuo debruçar sobre a concepção doutrinária do direito fiscal ou do controle que aos poucos vem se formando. Os processos estatais. A concepção de processo sempre esteve jungida a de instrumentos de que se valem os Poderes para atingimento dos fins do Estado. Assim, tradicionalmente, o Poder Judiciário age através do processo judicial; o Poder Legislativo pelo processo legislativo; e o Poder Executivo por meio do processo administrativo em sentido estrito. Na verdade, nota-se que a função estatal preponderante de cada Poder praticamente nomeia cada um deles – Poder Executivo, Poder legislativo e Poder Judiciário. Entretanto, no âmbito fiscal ou de controle, compreendido como o campo da fiscalização ou do controle externo desses mesmos Poderes, de se notar a equivalente presença de uma função, a ser exercida por meio de um processo peculiar, o processo fiscal ou, distintivamente, o processo de controle, consistente num quartum genus de processo vocacionado à viabilizar a realização dessa função, também com concepção constitucional originária, que é a função fiscal. Os processos de controle concebidos junto ao tribunal de contas devem podem ser classificados em processos para julgamento de contas de governo (ou somente contas de governo) ou para julgamento


de contas de gestão (ou somente contas de gestão), cujo responsável é o Chefe do Poder Executivo. Ver Alexandre Massarana. No primeiro caso há a participação tanto do Poder Legislativo da esfera de governo quanto do Tribunal de Contas com competência para exercer o controle sobre os atos fiscalizados, a fazer com que alguns defendam a natureza híbrida desses processos. Por isso dizer-se que são processos de natureza político-administrativa; políticos por essa característica preponderar na fase de julgamento; técnicos, entenda-se administrativos, durante as fases de fiscalização e apreciação, onde prevalece essa peculiaridade – inclusive preferida do legislador constitucional, como expressamente consignado para os Municípios, na medida em que se ponderou a necessidade de um quórum qualificado para desconsideração da conclusão técnica constante dos pareceres prévios emitidos pelas Cortes de Contas. Essa natureza distintiva dos processos envolvendo contas de governo, que exige a participação das Casas Legislativas advém, a nosso ver, da figura da característica do Chefe do Poder Executivo nas democracias republicanas, onde o mesmo ostenta a condição cumulativa de Chefe de Governo e de Chefe de Estado, facilmente percebido no contexto federal, e simetricamente estendida para as demais esferas, estadual e municipal. Ver professor da PUC Minas Já no segundo caso, tem-se as contas de gestão Resumindo, os processos de contas de governo visam o exame da desenvoltura sistêmica dos governos jurisdicionados; os processos de contas de gestão analisam a conformidade procedimental e o desempenho havido na condução dos consolidados ou desagregados orgânicos ou unidades componentes da sistemática governamental jurisdicionada. Os processos de controle. Assim como as demais modalidades de processos estatais, atentam a princípios próprios e específicos voltados e conformados à função fiscal que busca a prevalência do interesse “coletivo” no manuseio de bens ou valores públicos, inconfundíveis com os processos judicial, legislativo ou administrativo. Existem diversos consectários do mecanismo ou sistema de controle entre os três Poderes. No entanto, um único órgão, que com a devida vênia, a nenhum deles pertence, é quem encabeça hoje, quem materializa com mais ênfase, os processos de controle, os tribunais de contas. Assim, extravasa-se a ideia de processos pelos quais o Estado elabora ou aplica a lei para aquela em que também se mostra fiscal da lei. Essa vigilância é realçada pelo controle concomitante, que deve cada vez mais se intensificar. É nessa modalidade que a intervenção é mais eficaz, evitando, muitas vezes, a despesa pública irregular, sem falar na possibilidade dos técnicos orientarem os administradores públicos dos efeitos de suas condutas, que embora não possam alegar desconhecimento das normas, muitas vezes realmente não tem o conhecimento necessário para acompanhar ou mesmo, como última ratio, fiscalizar seus subalternos. Diminui-se o campo da omissão não consentida; na comissiva há uma melhor percepção das coisas e suas consequências.


Os tribunais de contas precisam fortalecer suas estruturas e operacional para alcançar, em maior grau, uma intervenção efetiva, periódica e pedagógica, hoje assaz restrita ao campo do controle posterior. O controle prévio, evidente, encontra certas limitações, como a conveniência e oportunidade do administrador no manejo dos recursos públicos, dentro das alternativas legais. Nos processos de controle sempre figura a Administração como interessada, independentemente da figura dos particulares ou gestores responsáveis. O Estado, pois, não é terceiro ao processo chamado a atuar; integra-o. Na verdade, exatamente o fato dessas Cortes não guardarem relação de vinculação ou de subordinação com nenhum Poder, torna seus procedimentos tão relevantes para a democracia. Isso prescindindo da defesa de um enquadramento como um Poder controlador. Além disso, enseja a autonomia no trato das questões fiscais que lhe são submetidas, a ponto de se verificar em seus plexos uma quarta modalidade de processo. Nem judicial, nem administrativo, nem legislativo, mas processo de controle. Quanto ao impulso, o processo de controle é antônimo do processo judicial. No âmbito judicial não há processo inaugurado pelo próprio Poder Judiciário; já em sede de controle externo, é de todo interessante, dir-se-á imprescindível, que os órgãos de fiscalização não apenas iniciem como mantenham trabalhos periódicos, que impulsionem os atos de controle, sem aguardar provocação de quem quer que seja. No processo de controle, ou de controle externo, assim entendido aquele desenvolvido primordialmente junto ao órgão diverso do fiscalizado, existe, assim como no processo judicial, a necessidade de se atender a um procedimento, balizado e estruturado pelo ordenamento, compatibilizando-se com os direitos e garantias constitucionalmente asseguradas. Não parece adequado que esses processos venham previstos em leis orgânicas, em regimentos, sem uma norma unificadora, que traga, ao menos, os princípios e regras gerais no âmbito fiscal. Instauração dos processos – periodicidade e não periodicidade. Os processos que tratam de contas de governo atentam com mais rigor para a periodicidade fiscal, observando, sob a matiz temporal, o interstício fiscal que corresponde ao ano civil. Partes Outra peculiaridade do processo de controle é a possibilidade de no processo figurarem não litigantes e litigantes. O ente da Administração Pública fiscalizado, em processo de controle de contas públicas nunca será litigante. O responsável é aquele a quem compete a gestão dos recursos públicos ou a ordenação de despesas, como o prefeito ou secretário que assinam um contrato administrativo ou o gestor contratual, ou também o servidor eleito para prestação de contas de adiantamentos; interessado é todo aquele que utilizou o recurso por força de uma obrigação criada para a Administração Pública, como o beneficiário


de um adiantamento, um fornecedor contratado ou uma entidade parceira do terceiro setor; terceiro, por fim, todo aquele que pode sofrer os efeitos da decisão, como o presidente de uma associação sem fins lucrativos, que pode vir a ter seu patrimônio atingido. Já o responsável ou interessado pela prática dos atos fiscalizados, na medida em que confrontados pelas áreas de auditoria, técnica ou ministério público de contas, poderão vir a litigar. Desse modo, havendo ou não litigio, o ente jurisdicionado não será excluído do processo, tampouco poderá assumir este ou aquele polo processual, sua condição, de fiscalizado, é inativa no âmbito do controle externo. Não obstante, pode adotar providências internas, como a responsabilização disciplinar, ou mesmo perante terceiros, como representar ilicitudes à autoridade competente. De se observar, sobre isso, dada a característica da relação entre ente fiscal e fiscalizado que não há sanções passíveis de aplicação à Administração Pública. A suspensão ou sustação de ato, sua anulação, as multas, o impedimento, a devolução de valores, nunca serão direcionadas à pessoa jurídica fiscalizada não litigante. Voltar-se-ão, tão somente, para os responsáveis, pessoas físicas, e interessados, pessoas físicas ou jurídicas, que enredam na condição litigantes. Até mesmo as determinações ou recomendações, as ressalvas e as consequências pelo juízo de reprovabilidade das Ministério Público de Contas. O Ministério Público de contas enquanto ministério público especial, com organização destacada do Ministério Público comum, federal ou estadual, foi alçado constitucionalmente a compor os tribunais de Contas, no exercício de sua relevantes função, de modo especializado, a exemplo da própria Corte que integra. Trata-se, a nosso sentir, de outra distinta característica da jurisdição de controle, na medida em que os interesses primários da sociedade são assegurados pela atuação ministerial. Ocorre que nem sempre o interesse público primário confunde-se com o interesse público secundário, ou do próprio ente estatal, seja porque ilegal, seja porque ilegítimo, seja porque antieconômico. Nessas situações, instaura-se evidente litigio no âmbito do processo de controle, tencionando o Ministério Público de Contas que sobrevenha a demonstração do atendimento ao interesse público primário enquanto que o ente público jurisdicionado ou o responsável procurarão defender a conformação do ato fiscalizado ao interesse público, pela conciliação entre o interesse público primário e o secundário. Instaura-se o conflito de interesses processuais, a ser solvido pelo pronunciamento do Tribunal, por meio de juízo valorativo monocrático ou colegiado, em sede de apreciação (contas de governo) ou de julgamento (contas de gestão). Embora não caiba, a nosso ver, ao Ministério Público de Contas tomar medidas que extravasem a atuação junto às Cortes de Contas, nada impede que sejam celebrados entre os Tribunais de Contas e outras instituições fiscalizadoras, como o próprio Ministério Público Estadual e o CADE, termos de cooperação ou que o próprio regimento interno, regulamentando a matéria, preveja sua participação ou interação na comunicação de atos lesivos que demandem fiscalização externa aos processos de controle.


De fato, não há previsão para a celebração de termo de ajustamento de conduta por parte do ministério público de contas enquanto ministério público especial. No entanto, parece-nos perfeitamente possível que o exercício da competência prevista no artigo 71, inciso IX, da CF, pelos tribunais de contas se faça mediante proposta com termos de ajustamento de conduta à norma, elaborada pelo Ministério Público de Contas e ratificada pelo relator do processo de contas. Inexiste, nesse caso, o caráter negocial característico dos termos de ajustamento de conduta celebrados pelo Ministério Público Estadual; terá natureza impositiva, podendo ensejar desde logo cominações no caso de inação injustificada somada à revelia processual. Claro que, se o ente jurisdicionado, ou interessado, não se conformar com a interpretação do ajustamento da conduta à norma, poderá exercer seu direito de defesa, estabelecendo-se o contraditório e valendo-se dos recursos inerentes, o que necessariamente conduzirá o processo a um julgamento e, querendo, à fase recursal, após o que será estabelecido o desfecho definitivo que a matéria deva receber. Contraditório e ampla defesa. Quanto aos litigantes em geral, pouco se haveria de discutir. No entanto, o fato de não haver litígio não implica na desnecessidade de defesa técnica, de defesa especializada, de possibilidade de prestar esclarecimentos precisos, adotar providências pertinentes, apresentar documentos apropriados. A natureza técnica dos tribunais de contas fala por si. São imperiosas a defesa técnica e a autodefesa, enquanto componentes da ampla defesa, assim como o contraditório, enquanto tripé característico de todo processo estatal, seja aquele promovido junto aos Poderes da República, seja aquele desenrolado por aqueles que os fiscalizam. Pela singularidade, o processo de controle, embora não seja processo judicial, também não deve ser confundido com o simples processo administrativo, estritamente falando. Isso na medida em que se mostra essencial seja contemplado pela defesa técnica através de advogado. Essa conclusão deflui da convergência dos fatores como a realização de fiscalização técnica, de defesa técnica dos interesse públicos primários pelo órgão ministerial de contas e pelo próprio julgamento técnico. Quanto à defesa do ente jurisdicionado, dos responsáveis ou interessados, não poderia se esperar menos. Note-se que os tribunais de contas, face a ínsita técnica, gozam de competência estendida para exercer uma função propedêutica ou pedagógica, em sede consultiva (vinculante ou não vinculante) ou repressiva (sempre vinculante) que torna vinculada a conduta do administrador ou gestor público, conspirando que o descumprimento da determinação ou recomendação pode ensejar a rejeição de suas contas futuras. Os poderes fiscalizados devem dispor de profissionais especializados em promover a defesa, no sentido de elucidar o fim perseguido pelo administrador na prática de atos de sua alçada e, sempre que possível, que também estejam voltados a orientar as correções e providências saneadoras necessárias e atender às referidas recomendações. A discussão se acirra ainda mais quando se considera o entendimento de que decisões do Tribunal de Contas, hoje com repercussões em diversas esferas da vida civil e administrativa, não seriam passíveis de revisão pelo Poder Judiciário. Como conceber que alguém possa ser julgado, ou sofrer sanções, até


mesmo sobre seu patrimônio, sem a presença de defesa técnica? A Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos LIV e LV, certamente contemplou os processos de controle. Não se desconhece que a Súmula Vinculante nº 05 do STF, ao contrário da Súmula 343 do STJ, e acredita-se por razões talvez mais políticas e menos jurídicas, excluiu a necessidade do advogado nos processos administrativos disciplinares. No entanto, os processos de controle, seja por não se submeterem ao integralmente pós-controle judicial de mérito, seja por não apresentarem a mesma natureza dos processos administrativos estrito sensu, em nada se submetem ao contexto da referida uniformização de entendimento. Mesmo porque, tamanha a relevância do advogado nos processos que o Constituinte de 1988, expressamente, por meio do texto do artigo 133, consagrou a sua indispensabilidade à administração da Justiça. Deve o Estado primar por uma administração pública que reforce a aplicação dos princípios fundamentais a todos os cidadãos, indistintamente, e, também, equipar as Defensorias Públicas como forma de alcançar e efetivar defesa técnica e de boa qualidade a todos os que dela necessitarem. Competência fiscal. A competência fiscal surge com a utilização de recursos públicos, quando se torna importante avaliar desde a origem desses valores até o fim que lhe foi dado, considerada também a sua forma. No controle posterior, ao contrário dos demais, a competência fiscal para atos de gestão depende do emprego do recurso; ou seja, da ocorrência da despesa pública. Presente esta, os tribunais de contas são competentes para o exame dos atos; quando ausente, sua competência não subsiste, ocasionando a extinção dos processos eventualmente instaurados. O controle de atos de governo, que é ulterior, é caso excepcional, em que despesas não realizadas mantém a competência funcional tanto das Casas de Contas quanto das Casas das Leis, por trata-se de processo que visa, sobremaneira, verificar a operacionalização do orçamento. Responsabilidade solidária. Aos órgãos de controle compete fixar a responsabilidade solidária. Ao que nos parece, trata-se de hipótese em que é possível estabelecer responsabilidade solidária por força de disposição legal – ou constitucional – que assegura a esses órgãos a competência para assim proceder. Jurisdição. Ao contrário do Poder Judiciário, a função dos órgãos de controle não é preponderantemente julgar; mas sim fiscalizar. Fácil verificar que onde incidirem as hipóteses de competência de controle, haverá, ao menos, atividade de fiscalização por parte dos Tribunais de Contas. Natureza das decisões.


As decisões dos tribunais de contas podem ser declaratórias, constitutivas ou condenatórias, carregando em todos esses casos, a nosso ver, uma subclassificação, em mandamentais, dada a presença marcante de um comando coercitivo cuja execução é direcionado ao responsável. Quando consideram irregulares contas de gestão, detém nítido caráter mandamental, na medida em que expressam determinação que visa adequar o ato à norma, sujeita a sanção. Nos casos de admissão de pessoal são nitidamente constitutivas, porque perfectibilizam a relação com o agente público, determinando o correspondente registro. Consabido, entretanto, que essas decisões constituem títulos executivos mas não podem ser executadas diretamente pelos Tribunais de Contas. Quebra de sigilo Somente mediante prévia autorização judicial. Recomendações e determinações. Seria um despropósito imaginar que as recomendações e determinações originadas de decisões ou pareceres pela regularidade das contas falecem de carga resistível a viabilizar o intento recursal. Isso porque se esses elementos decisórios são capazes de justificar futuro juízo de reprovação, não se pode negar a possibilidade de instaurar-se discussão sobre eles, por parte dos interessados, responsáveis ou fiscalizados. Interação com demais órgãos de controle como Ministério Público, Receita Federal, BACEN, IBAMA, CADE. Coisa Julgada. Impõe-se conferir tratativa, sob a ótica fiscal, da celeuma entre função administrativa e função jurisdicional e suas repercussões sobre a coisa julgada administrativa e sobre a coisa julgada judicial. O Estado, enquanto parte, deve se submeter a um juízo definitivo, perpetuado pela coisa julgada judicial. Ao Estado enquanto parte e juiz somente se confere um julgamento provisório, fazendo-se coisa julgada administrativa, passível de revisão judicial. Mas e o Estado fiscalizado, quando nenhum de seus Poderes julga, mas pode litigar, qual a natureza das decisões? Mesmo porque, embora respeitante ao procedimento concluído, nada impede que se instaure nova apuração, agora por provocação, observando que a função fiscal não pode se mostrar neutra e deve possibilitar a produção de provas a serem utilizadas nos demais processos estatais. Um dos mais relevantes papéis dos tribunais de contas é exatamente a de trazer à tona, a de ventilar as nuances dos atos praticados pelos Poderes da República, em todas as suas esferas de atuação. E assim o fazem, primeiro, pelos trabalhos de fiscalização, que tem por objetivo transparecer todas as características formais de dimanação do ato, além da identificação dos aspectos materiais que o conjugaram e levaram o gestor a praticá-lo – daí a relevância dos esclarecimentos iniciais em todo processo de controle de contas públicas, independentemente do posterior litigio que venha a se instaurar – ; e então pelos trabalhos de apreciação e julgamento perquirindo – propriamente de modo


prévio a eventual controle judicial, dada a existência dos controles prévio e concomitante – sobre a conformidade desses atos aos critérios de legalidade, legitimidade e economicidade, bem como dos resultados operacionais obtidos pela gestão examinada, propriamente dita, ou de governo que envolve consolidação da atuação dos Poderes sob um responsável principal. Nessas fases, inclusive, aconselhável que incidam vetores de fundo, como razoabilidade, proporcionalidade e segurança jurídica. Sendo dessa maneira, não vemos como retirar do Poder Judiciário, a possibilidade de revisar as conclusões fiscais tidas pelos tribunais de contas em suas manifestações e decisões. O que não se pode conceber é o Poder Judiciário se faça substituir na função do órgão de controle, para auscultar conclusões diversas com base nos mesmos fatos. Pode sim reformar decisões de controle que não avaliem todos os aspectos formais ou materiais do ato, quando o elemento olvidado tenha influência marcante; ou ainda quando sua conformidade e resultados não foram identificados corretamente, mesmo porque outra função relevante das Cortes de Contas, que qualifica a primeira antes referida, é a verdade real. Ou seja, transparecer a real forma e materialidade do ato fiscalizado, conformado à legalidade, legitimidade e economicidade com que foi praticado e o resultado socialmente útil perseguido e alcançado. Veja-se que a conformidade do ato ao critério da legalidade e legitimidade, por exemplo, nunca poderão ser excluídos do Poder Judiciário, que deve ser o interprete maior da Lei e da Constituição, não obstante os relevantes trabalhos feitos pelas Cortes de Contas. Não são funções colidentes, mas conciliadas. O Poder Judiciário poderá melhor exercer sua jurisdição provocada se tiver por base os trabalhos indiciários e mesmo probatórios advindos do exercício da jurisdição do Tribunal de Contas, que lhe permitirão conhecer todos os deslindes técnicos da conduta fiscalizada, formais, materiais, de conformidade e seu resultado. Imaginemos um contrato administrativo questionado quanto ao aspecto da economicidade da contratação, em face do desatendimento do critério de elaboração do orçamento previamente exigido pela lei. A lei descumprida retira a presunção de legitimidade do ato, mas não a possibilidade de que se faça prova em contrário, em defesa do ato. Assim, a subsistência de orçamentos diversos em outro processo administrativo, análogos para os mesmos itens e em períodos compatíveis, como dentro do período razoável de seis meses que muitos admitem como prazo para sua reformulação, pode muito bem confirmar a sanabilidade da conduta administrativa, pela inocorrência de dano ao erário. O orçamento não constou do processo administrativo ou não foi feito. Evidente, pois, que existe uma irregularidade, mas não é ela sanável. Se a Corte de Contas simplesmente desconsidera a prova, seja pelo momento processual, seja por valorá-la, não se pode retirar do Poder Judiciário o reexame da matéria. A verdade real foi perseguida e resguardada. Caberá então ao interessado, muitas vezes diante do crivo da verdade meramente processual, obter nova valoração jurídica do ato. A revaloração judicial de atos e fatos fiscais em outras esferas é perfeitamente possível, mas descabe a revisão da conclusão decisória, salvo se a própria decisão não puder mesmo subsistir, porque viciada e por isso nula ou anulável, como no caso de descumprido o devido processo legal de controle. Há revisão judicial da coisa julgada fiscal por atentar contra a legalidade, mas não há possibilidade de sua revisão por inconformidade ou juízo de resultado. O que se permite é atribuir nova qualificação jurídica ao conteúdo decisório diante das consequências que dele decorreriam.


A Justiça Eleitoral, por exemplo, pode revalorar irregularidades apreciadas e julgadas pelos Tribunais de Contas, especialmente quando não declinada sua qualidade de insanada ou sanada, entendendo- as, para fins eleitorais, como enquadradas nesta ou naquela condição. A Justiça do Trabalho, por sua vez, ao avaliar, verbi gratia, o recolhimento de FGTS a ocupantes de cargos em comissão, pode entender que são devidos, enquanto em momento anterior o Tribunal de Contas respetivo concluir por serem irregulares. Qual deve prevalecer? Parece-nos que no âmbito da interpretação das leis cabe ao Poder Judiciário a última ratio. Mesmo porque prevalece a coisa julgada judicial sobre a coisa julgada administrativa, inclusive fiscal. Parece claro que o Poder Judiciário não se pode substituir ao Poder Controlador para emitir juízo de valor sobre o mérito da decisão pela regularidade ou irregularidade ou do parecer pela aprovação ou rejeição das contas de governo ou de gestão, respectivamente. Em outras palavras, em regra não cabe revaloração do mesmo contexto fático probatório fiscal na esfera judicial. Mas toda matéria estaria fora da órbita reapreciação judicial? Evidente que não. Mesmo porque, não se pode afastar do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Assim, o devido processo legal de controle, a autenticidade ou falsidade de um documento comprobatório, a extensão ou o grau da responsabilidade a este ou aquele gestor, a proporcionalidade na aplicação de uma sanção, são todas questões que, a nosso sentir, não podem ser afastadas do controle judicial. Isto é, não caberia alegar-se inafastabilidade do controle judicial para o mérito propriamente dito dos pronunciamentos definitivos dos Tribunais de Contas. Exceto, em razão de questionamento sobre procedimento adotado, a autenticidade ou falsidade dos documentos valorados, os efeitos sancionatórios e a responsabilidade no que tange à culpabilidade ou solidariedade. No entanto, esse exame judicial somente poderá resultar na anulação da decisão ou parecer sobre as contas; ou, no máximo, na remodelação de seus efeitos, subjetiva ou objetivamente observados, mantido o seu mérito sobre a regularidade ou irregularidade ou a aprovação ou reprovação. Os aspectos objetivos das decisões do tribunal que levaram ao juízo retratado em suas decisões não pode ser alvo de revisão judicial. O mesmo não se diga dos seus aspectos subjetivos, tanto com relação ao sujeito quanto com relação aos elementos da conduta controlada. Possibilidade de revisão judicial em casos de matéria estritamente de direito. Agora, quando a apreciação ou julgamento realizado pelo Tribunal de Contas envolve matéria estritamente de direito, assim considerada aquela que dispensa a valoração de elementos fáticos para subsumi-lo à norma, há flagrante hipótese ensejadora da competência judicial revisora dos pareceres ou decisões de controle proferidas pelos Tribunais de Contas. Imagine-se o caso em que se apreciam as contas de gestão de determinado Poder Legislativo Municipal (cuja discussão muito adequadamente deve ser avivada no âmbito das contas de governo do Poder Executivo local, relativas ao mesmo período financeiro) se instaura discussão sobre o respeito, ou não, aos repasses mínimos de duodécimos consoante prescreve o artigo 29-A da CF. Ao analisar essa norma determinado Tribunal de Contas entende que a receita considerada para fins de cálculo do limite é a receita tributária, conferindo interpretação restritiva á sua composição, ao passo que o Poder


Judiciário – ou mesmo outros Tribunais de Contas – entende que referido limite abarca outros gastos, a concluir limite mais ampliado. Veja-se que a discussão mantem-se no âmbito do direito, sendo que não será o fato da despesa efetuada com a transferência ao Poder Legislativo que influenciará na conclusão, mas o raciocínio jurídico adotado, levando em consideração um ou outro posicionamento (restritivo ou ampliativo); neste caso o balizamento ou valoração correta do fato é dependente da interpretação da norma. Sendo assim, referida divergência deve se limitar ao âmbito restrito do processo de controle desenvolvido junto ao tribunal com jurisdição sobre a matéria? Não nos parece razoável que assim seja. Essa discussão pode e deve ser levada ao Poder Judiciário, pois há interpretação conferida a dispositivo de lei ou mesmo da constituição, cujas competências para solução foram conferidas pelo constituinte originário ao Poder Judiciário, e que será exercida, em última ou única instância, respectivamente, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal. Pensar diferente seria retirar ao Poder Judiciário e a seus Tribunais judiciários, a competência para interpretar disposição federal ou constitucional, porque exercida jurisdição por Tribunais não judiciários.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOUTRINAS

ARAÚJO, Julio César Manhães de; Controle da Atividade Administrativa pelo Tribunal de Contas na Constituição de 1988

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 18. Ed., São Paulo: Atlas, 2005. Celso Antonio Poder Controlador

Direito Administrativo

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