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A CELEUMA QUANTO AOS REGIMES JURÍDICOS DE CONTRATAÇÃO E PREVIDENCIÁRIO DE AGENTES COMUNITÁRIOS...

  • Artigos MSEMA
  • 24 de jul. de 2020
  • 48 min de leitura

DA  A CELEUMA QUANTO AOS REGIMES JURÍDICOS DE CONTRATAÇÃO E PREVIDENCIÁRIO DE AGENTES COMUNITÁRIOS SAÚDE E DE COMBATE A ENDEMIAS APÓS AS EMENDAS CONSTITUCIONAIS Nº 51/200 6E 63/2010 E A RECENTE LEI FEDERAL Nº 13.595/2018

1 – Introdução. O regime jurídico aplicável à contratação e à previdência de agentes comunitários de saúde e de agentes de combate a endemias é, certamente, dos temas mais controversos no atual contexto da admissão de pessoal pela Administração Pública, sendo essa matéria alvo de controle realizado por este Egrégio Tribunal de Contas, nos termos do artigo 71, inciso III, da Constituição Federal; do artigo 33, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo; bem como do artigo 2º, inciso V, da Lei Complementar 709/1993 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo). Não obstante a localidade característica da atuação desses profissionais junto às comunidades com que interagem, de se consignar que sua importância foi reconhecida amplamente, tendo sido alvo de regulamentação diretamente pelo texto constitucional republicano, por meio do poder constituinte derivado reformador, encetado pela Emenda Constitucional nº 51/2006, que acrescentou os §§ 4º, 5º e 6º ao artigo 198 da Carta Magna Federal. Posteriormente, houve edição de lei federal regulamentadora, com abrangência nacional, qual seja, a Lei Federal nº 11.350/2006, que dentre outras disposições, regulamentou o § 5º do artigo 198 da Constituição Federal. Enfim, sobreveio nova intervenção reformadora, por meio, agora, da Emenda Constitucional nº 63/2010, que novamente alterou o § 5º do artigo 198 da Constituição Maior para dispor sobre piso salarial profissional nacional e diretrizes para os Planos de Carreira de agentes comunitários de saúde e de agentes de combate às endemias. Recentemente, em janeiro de 2018, tivemos o surgimento da Lei Federal nº 13.595/2018, que alterou o regime legal anterior e positivou a essencialidade dos Agentes Comunitários de Saúde na estrutura de atenção básica de saúde, bem como dos Agentes de Combate às Endemias na estrutura de vigilância epidemiológica e ambiental, como veremos. Ocorre que a temática tem sido alvo de inúmeras controvérsias, que vão desde os requisitos de admissão desses profissionais passíveis de serem contemplados nos editais de seleção, passando pela modalidade e nuances do vínculo a ser estabelecido com a Administração, até os direitos e garantias trabalhistas e previdenciários que devem incidir. Questões como a admissão no serviço público por processo seletivo, quando a Constituição, no seu artigo 37, consagra o concurso público de provas ou de provas e títulos; a competência para o estabelecimento do regime jurídico destes servidores por lei federal, bem como de seu piso salarial, aparentemente contrariando o princípio federativo consagrado no artigo 18 da própria Constituição da República; dentre outras, tem ocasionado certa insegurança e inúmeras dúvidas. Assim, dada a complexidade e atualidade da discussão que, com a devida vênia, não se encontra nem de longe pacificada, tampouco com sua abordagem exaurida – visto que tendo sido alvo de ações diretas de inconstitucionalidade não definitivamente julgadas1, além de ensejar consultas frequentes junto às Cortes de Contas brasileiras, que acabam por ter de adiantar entendimentos e procuram assim apascentar momentaneamente as discórdias que se vem formando. Não obstante, até mesmo esses entendimentos dos órgãos de controle, observa-se que tem variado conforme a dinâmica 1 ADI-MC nº 2135-DF e ADI nº 4801-DF.


dos fatos jurígenos ocorridos desde a normatização precitada, mantendo certo grau de insegurança na atuação da Administração. 2 – Do direito à saúde e o programa estratégia saúde da família – ESF. A saúde é um direito social (CF, artigo 6º), cuja prestação é dever do Estado (CF, artigo 196), que deve garantir, inclusive, a destinação de recursos públicos mínimos voltados à sua efetividade, o que foi eleito como sendo um princípio constitucional (CF, artigo 34, VII, alínea “e”). Sendo dessa forma, não é desarrazoado que o Estado procure traçar modelos para a efetivação desse direito, com a distribuição do ônus gerencial e mesmo financeiro entre suas diversas esferas administrativas, em especial num país de colossal extensão territorial, como o Brasil. Ocorre que, embora gigantesco em dimensão, embora seja um país de muitos, as grandes discussões pátrias são muitas vezes alvo do pensamento de poucos, cujas ideias, promissoras ou não, são concretizadas com o viés da celeridade que quase sempre visa a remediar, esquecendo-se de prevenir; por sua vez, as discussões são pouco difundidas, quando deveriam ser pulverizadas no seio social; e os grandes envolvidos ou alcançados pelas mudanças, em sede institucional ou comunitária, quase sempre são surpreendidos com vicissitudes cujas consequências, inúmeras, sequer foram sopesadas com maior aprofundamento. O Programa de Estratégia de Saúde da Família – ESF, sabe-se, é um programa de governo – diga-se, hoje contemplado constitucionalmente como verdadeiro componente de política de estado – extremamente promissor em sua idealização, e que procura universalizar a direito à saúde através da sua descentralização; mediante a contratação de agentes comunitários de saúde e de combate a endemias que atuam diretamente junto às comunidades onde convivem, exercendo ações principalmente preventivas. Foi pensado mediante certa desburocratização, para permitir à Administração Pública responder mais rapidamente ao anseio comunitário. Não obstante, citado Programa foi inicialmente colmatado e veiculado sob as vestes de programa de governo, que é perene, e, portanto, sujeito a condição indeterminada porém resolutiva, com a possibilidade de término a qualquer tempo, a implicar, dentre outras repercussões, na imediata cessação do repasse financeiro que dele decorre para a materialização de seus objetivos, o que poderá ensejar, por parte da maioria dos municípios que a ele aderiram, em perigo de interrupção do próprio ESF, eis que nunca foi pensada, formulada ou regulamentada qualquer proposta que possa indicar a criação de bases financeiras sólidas à manutenção dos seus objetivos, pós regime de cooperação federal, quando isso vier a ocorrer. Outrossim, a precariedade programática trouxe, sempre, celeuma sobre a forma de vínculo que deveria se estabelecer entre o agente e o Poder Público. Ocorre que, como consabido, através da inclusão dos §§ 4º e 5º no art. 198 da CF/1988 pela EC 51/2006, definiu-se que as contratações de agentes de saúde e de agentes de combate às endemias são realizadas em níveis locais por meio de seleções públicas, com base em requisitos previamente definidos, como a natureza e a complexidade das atribuições e os requisitos específicos para atuação, sendo que Lei Federal dispõe sobre o regime jurídico e regulamenta as atividades desses agentes. Esta regulamentação foi feita através da Lei 11.350/2006, que, segundo seu artigo 14, conferiu ao gestor local do SUS a responsabilidade pela contratação dos agentes de saúde e de endemias, dispondo sobre a criação dos cargos ou empregos públicos e demais aspectos inerentes à atividade, observadas as especificidades locais.


Viu-se, portanto, a discutida perenidade do programa de governo ser transformada em uma estável política pública estatal, de estatura constitucional, não sujeita às vicissitudes que abarcam o processo legislativo legal. Essa mudança de paradigma aconselha a alteração da postura dos entes públicos frente à matéria, vez que a figura dos agentes comunitários de saúde e de combate a endemias não mais se mostra passageira, mas uma realidade presente e consolidada, ainda que sujeita a alterações quanto à cobertura financeira dos gastos dela decorrentes, hoje assegurada pela União. Eis que os Municípios precisam se ajustar, ainda que gradualmente, à nova previsão, compondo suas estruturas funcionais de saúde com a figura efetiva desses profissionais. 3 – Os agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. Ao reger as atividades dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate a endemias, a Lei nº 11.350/2006, originada da Medida Provisória nº 297/2006, definiu que sua atuação se dará exclusivamente no âmbito do SUS, na execução das atividades de responsabilidade dos entes federados, mediante vínculo direto entre os referidos agentes e órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional. Segundo a regência, o exercício das atribuições dos agentes comunitários de saúde é realizado mediante atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, por meio de ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor municipal, distrital, estadual ou federal. Foram definidas como sendo atividades dos agentes comunitários de saúde a utilização de instrumentos para diagnóstico demográfico e sócio-cultural da comunidade; a promoção de ações de educação para a saúde individual e coletiva; o registro, para fins exclusivos de controle e planejamento das ações de saúde, de nascimentos, óbitos, doenças e outros agravos à saúde; o estímulo à participação da comunidade nas políticas públicas voltadas para a área da saúde; a realização de visitas domiciliares periódicas para monitoramento de situações de risco à família; e, a participação em ações que fortaleçam os elos entre o setor saúde e outras políticas que promovam a qualidade de vida. Por outro lado, para os agentes de combate às endemias houve a atribuição do exercício de atividades de vigilância, prevenção e controle de doenças e promoção da saúde, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor de cada ente federado, sendo que o Ministério da Saúde é quem disciplinará as atividades de prevenção de doenças, de promoção da saúde, de controle e de vigilância dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias além de estabelecer os parâmetros dos cursos introdutórios de formação inicial e continuada, observando-se as diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação. A norma também definiu como requisitos para o exercício da atividade dos agentes comunitários de saúde a residência na área da comunidade de atuação, desde a data da publicação do edital do processo seletivo público; a conclusão, com aproveitamento, do curso introdutório de formação inicial e continuada; e haver concluído o ensino fundamental. Aqueles que, em 06.10.2006, estivessem exercendo atividades próprias de agente comunitário de saúde foram dispensados da exigência de haver completado o ensino fundamental. Para o exercício de suas atividades, os agentes de combate às endemias devem preencher os requisitos de conclusão, com aproveitamento, de curso introdutório de formação inicial e continuada; e de conclusão do ensino fundamental. Da mesma forma


que para os agentes comunitários de saúde, aqueles agentes de combate às endemias que, em 06.10.2006, estivessem exercendo atividades próprias do emprego foram dispensados da exigência de haver completado o ensino fundamental. Outrossim, também se mostra relevante pontuar que, atualmente, compete ao ente federativo responsável pela execução dos programas a definição da área geográfica de residência e atuação do agente comunitário de saúde, observados os parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde. 4 – Regime jurídico de trabalho. Nesse contexto, assim como para outros servidores da Administração, o gestor local deverá criar as carreiras de agente comunitário de saúde e de agente de combate às endemias, utilizando-se para isso de lei específica, através das quais serão estabelecidos os critérios balizadores desse pessoal, como quantitativo de vagas para os cargos/empregos, a remuneração, o regime jurídico de trabalho, as atribuições, direitos e obrigações funcionais, o regime previdenciário, entre outros. A lei específica deve estar alinhada com os regramentos previstos na Lei 11.350/2006, de que o vínculo dos agentes deve ser estabelecido diretamente com gestor local do SUS, exercendo suas atividades somente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS (artigo 2º); de que a atuação dos agentes, fiscalizada pelo gestor local, compreende o exercício de atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, com base nas diretrizes do SUS (artigos 3º e 4º); de que dos agentes de saúde e de endemias exigem- se requisitos específicos, sendo, conclusão em curso introdutório de formação inicial e continuada e conclusão do ensino fundamental, e especificamente para investidura como agente comunitário de saúde exige-se, ainda, residência na área da comunidade desde a publicação do edital da seleção; de previsão de rescisão unilateral do contrato firmado com os agentes, de acordo com o regime jurídico de trabalho adotado; de previsão de rescisão contratual com o agente comunitário de saúde, caso comprovado que não reside na área da comunidade, em função de apresentação de declaração falsa de residência. Como o vínculo deverá estabelecer-se diretamente com a Administração Pública, sendo vedado, ao menos para os contratos de trabalho celebrado após a referida Emenda, que se fixem com terceiros, a exemplo de entidades do Terceiro Setor. Nesse sentido, transcrevemos trecho do voto aprovado no processo TC nº 001144/005/08, de relatoria do então Conselheiro Eduardo Bittencourt Carvalho, em sessão de 18.05.2010 da Colenda Primeira Câmara do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que abordou especificamente o tema, ao tratar da (im)possibilidade de convênio celebrado entre município e entidade filantrópica da Irmandade Santa Casa de Misericórdia local autorizar a que esta efetue a contratação direta desses profissionais, salvo se antes de vigorar a EC nº 51/2006 e atendidas suas exigências para o aproveitamento de pessoal na mesma função: “Em apreciação Convênio celebrado entre a Prefeitura Municipal de Junqueirópolis e a Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Junqueirópolis, objetivando a operacionalidade de 4 (quatro) Postos de Atendimento da Saúde Familiar, naquela cidade, com 4 (quatro) equipes em cada Posto, e Termo de Aditamento de 15/04/2008. Acolho as manifestações unânimes dos Órgãos Técnicos desta Corte, pela aprovação do Convênio. A impugnação de maior relevância, referente à contratação de pessoal, restou devidamente ilidida, pela comprovação que as contratações ocorreram antes da Emenda Constitucional nº 51, bem como foram processadas por meio de processo seletivo, devidamente


supervisionado pelo Poder Público. Desta forma, VOTO pela regularidade do Convênio, determinando o acompanhamento do objeto, nos termos das Instruções desta Corte.” (destacou-se) A par disso, a referência ao regime jurídico aplicado aos agentes de saúde e de combate às endemias está registrada no § 5º do art. 198 da Constituição Federal, o qual fixa que lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias. Sobrevindo, a Lei 11.350/2006 concretizou essa previsão, e por meio de seus artigos 8º e 14 dispôs que esses agentes poderão vincular-se à Administração Pública por meio do regime jurídico celetista de trabalho, como regra, ou estatutário, de acordo com a previsão legal de cada ente. No entanto, releva dizer que tanto a EC 51/2006 quanto a Lei 11.350/2006 foram promulgadas no momento em que o artigo 39, caput, da CF, não mais obrigava a adoção do regime jurídico único no âmbito da Administração Pública, nos termos da EC 19/1998. Mas, com a decisão liminar, com efeitos ex nunc, posta na ADI 2.135-4 em trâmite junto ao Supremo Tribunal Federal, publicada em 14/08/2007, e persistente até a presente data, suspendeu-se a eficácia da nova redação dada pela EC 19/1998 ao caput do art. 39 da CF, dimanando a volta da intensa discussão sobre o regime jurídico único funcional. Isso porque referida decisão do excelso STF proclamou, com efeitos ex nunc, a inconstitucionalidade formal – e não material – da EC 19/1998, que alterara a redação original da Constituição, a qual por sua vez estipulava um regime jurídico único para os servidores públicos. Na verdade, a interpretação do artigo 39 da Carta Constitucional sempre foi, e continua sendo, polêmica, gravitando-lhe o centro de discórdia os dois grandes regimes que se desenvolveram na ótica da função pública brasileira, quais sejam, o celetista e o estatutário. O ponto nodal não é a regulamentação do regime jurídico, matéria que a Constituição não adentrou, abrindo campo para a regulamentação infraconstitucional, observado o regime de competências; mas sim a (im)possibilidade de escolha do regime e os limites para essa regulamentação. O que é de grande relevância, posto que se for adotado o regime estatutário, cada ente político (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) seria competente para estabelecer, por sua própria legislação, as normas aplicáveis aos seus respectivos servidores. De outro tanto, a adoção do regime trabalhista implicaria a sujeição às normas elaboradas pela União, uma vez que somente a ela conferiu-se competência para legislar sobre direito do trabalho (CF, artigo 22, inciso I). Ainda sob a eficácia da EC nº 19/1998, declinava seu abalizado entendimento Diógenes Gasparini, no sentido de que: “1.- Ao contrário do que se passava com a Constituição Federal de 1988, em sua redação original, os Municípios, como corolário da autonomia que lhes é assegurada pelo art. 18 dessa Lei Maior, podem escolher o Regime Jurídico para seu pessoal. Não mais se lhe exige que institua o Regime Jurídico Estatutário, nem que esse seja único, na medida em que o art. 39 da Lei Suprema que assim o prescrevia, por força da EC 19/98, teve alterada, por completo, sua redação ou, o que equivale afirmar, foi retirado da Constituição Federal. Nada do que esse dispositivo estabelecia foi mantido, desaparecendo, destarte, essa exigência para os entes federados. Ademais, nenhuma outra regra constitucional, mesmo veladamente, repetiu dita imposição. Portanto, é correto dizer-se que a Constituição Federal abandonou tal exigência e liberou, por consequência, os entes da Federação para escolherem, segundo seus respectivos interesses, o regime de pessoal mais adequado para o relacionamento laboral com seus servidores. 2.- Cabe, destarte, ao Município, segundo o interesse local e mediante lei, optar pelo Regime Estatutário ou Celetista, os únicos possíveis.[...] 4.- Em suma: cabe ao Município, como a qualquer outro ente federado, no exercício de sua autonomia, escolher um vínculo laboral para firmar com seus servidores, podendo a seleção recair no Regime Jurídico Único, estatutário ou contratual, ou, ainda, pode optar por um regime misto, onde parte de seus agentes será regida pelo primeiro e


parte pelo segundo desses regimes. Na adoção do Regime Jurídico Único Celetista, a competência do Município para cuidar da organização dos servidores assim admitidos, é muito menor que a reconhecida em seu favor para a instituição do Regime Jurídico Único Estatutário. Cabe-lhe apenas, por lei, aditá-lo em alguns aspectos (concurso de ingresso, plano de carreira, concessão de algum benefício). Assim é, dado que legislar sobre Direito do Trabalho cabe privativamente, nos termos do art. 22, I, da Lei Suprema, à União. [...] 6.- Não se está, evidentemente, negando a aplicabilidade das normas e princípios constitucionais, obrigatoriamente observáveis por ditas pessoas políticas, mas averbando que o Município, desde a EC 19/98, tem autonomia para escolher e instituir, por lei de iniciativa do Prefeito, o Regime Jurídico de seus servidores, assim como lhe cabe, na esfera do Executivo, criar, transformar e extinguir cargos, funções e empregos públicos, observados os princípios e regras constitucionais que regem tais comportamentos. Negamos, isto sim, qualquer ingerência de leis de entidade federada maior sobre pessoa política menor, na organização de seu pessoal. Nem mesmo a Constituição estadual pode, nessa área, prever regra obrigatória para o Município, por exemplo. As regras federais, verbi gratia, não alcançam os servidores estaduais, distritais e municipais, salvo quando tratar-se de norma de caráter nacional (essa é a que vigora em todo o território brasileiro, submetendo todos aos seus termos e condições) como são, por exemplo, as que dispõem sobre crimes funcionais (arts. 312 a 327 do CP), requisição para o serviço eleitoral (art. 30, XIV, do CE), acidente do trabalho (Lei federal n. 6.338/76) e seguridade social (art. 22, XXIII, da CF). Em tais casos, a União não está dispondo sobre Regime Jurídico de servidor estadual, distrital ou municipal, mesmo que os servidores dessas entidades a elas estejam submetidos, mas disciplinando outras matérias de sua competência. Aliás, a subserviência do Município às mencionadas regras e princípios está determinada na própria Constituição Federal que, em relação ao Município, prescreve: "Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: ..."(grifamos) (Parecer sobre regime jurídico de servidores de autarquia municipal ante a EC 19/98. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/pareceres/16259>. Acesso em: 24 mar. 2014) Aliás, sobre esse contexto geral do regime jurídico único, a doutrina costuma expressar três correntes mais bem delineadas. Em primeiro lugar, aqueles que vinculam o regime jurídico único como sendo o estatutário, obrigatório para todos os entes federados e entidades. Em segundo lugar, os que creditam a possibilidade de escolha entre os regimes estatutário e celetista. Enfim, em terceiro lugar, aqueles que defendem a possibilidade de adoção de ambos dos regimes, que poderiam, assim, ser adotados conjuntamente dentro de uma mesma unidade política, uma vez que possível verificarem- se diferenciados regimes entre os órgãos e entidades que a compõem; em outras palavras, um regime jurídico híbrido, não no sentido de ser possível mesclarem-se suas normas, mas de poderem conviver numa mesma esfera de governo, e que vem sendo bem aceito no que tange à diferenciação de regimes para as entidades estatais sujeitas aos ditames do direito privado e agências reguladoras. No nosso sentir, conquanto se trate de matéria evidentemente controvertida, melhor juízo nos parece o de que o regime jurídico a ser adotado deve ser eleito por cada ente estatal, isto é, em sua respectiva esfera de governo e considerando sua realidade ambiente, conferindo-se à lei a tarefa de regulamentação da matéria. No caso dos Municípios, diretamente envolvidos na contratação de agentes comunitários e endêmicos, a questão se avulta, devendo tratar-se dessa “escolha”, sob a ótica de sua própria autonomia, ou da garantia constitucional do mínimo intangível de autonomia dos municípios a que se refere Paulo Bonavides2, que decorre dos vetores da própria constituição, e não necessariamente da EC nº 19/1998, cuja eficácia encontra-se suspensa. Não é o fato da EC nº 19/1998 suprimir expressamente a figura do regime jurídico único que já não houvesse a possibilidade 2 Curso de Direito Constitucional, 22ª ed. 2008, São Paulo: Malheiros, p. 354/356.


de cada ente optar pelo seu regime, decorrência de uma interpretação sistemática da Carta Magna. O que fez a verberada Emenda, hoje suspensa, foi apenas procurar encerrar o embate sobre a matéria, mediante a expressa supressão da exigência do regime jurídico único estatutário do texto constitucional. É verdade que hodiernamente, diante do quadro de ressurgência constitucional do regime jurídico único, tem prevalecido entendimento como o lecionado por Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo3: “Dissemos, no parágrafo precedente, ‘enquanto vigorou a redação’, porque a modificação de caput do art. 39 da Carta Política, introduzida pela E.C. 19/1998, teve sua eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, a partir de agosto de 2007, em decorrência do fato de a Câmara dos Deputados não haver observado, quanto a esse dispositivo, a exigência de aprovação em dois turnos (CF, 60, §2°). Por essa razão, no julgamento da ADI 2.135/DF, em 2 de agosto de 2007, nossa Corte Suprema deferiu medida cautelar para suspender a eficácia do artigo 39, caput, da Constituição, com a redação da EC 19/1998, esclarecendo, expressamente, que a decisão terá efeitos prospectivos (ex nunc), isto é, toda a legislação editada durante a vigência do artigo 39, caput, com a redação da EC 19/1998, continua válida, assim como as respectivas contratações de pessoal. Não obstante, deve ficar claro que, a partir dessa decisão, e até que seja decidido o mérito da causa, voltou a vigorar a redação original do caput do art. 39 da Constituição, que exige a adoção, por parte de cada ente da Federação, de um só regime jurídico (regime jurídico único) aplicável a todos os servidores integrantes de sua administração direta, autarquias e fundações públicas. Dessa forma, atualmente, não é mais possível a contratação, concomitante, de servidores públicos e de empregados públicos pela administração direta, autarquias e fundações públicas de nossas pessoas políticas, uma vez que voltou a vigorar a exigência de adoção de um regime jurídico único para o pessoal desses órgãos e entidades administrativas.” Apesar disso, não podemos deixar de obtemperar. Eis que o regime jurídico aplicável aos ACS’s e os ACE’s encontra-se a par dessa diretriz pela unicidade de regimes, seja porque o hibridismo não é materialmente contrário à Constituição vigente, seja porque foi ela própria que, através da redação transmita pela EC nº 51/2006, permitiu tratamento não único. A melhor doutrina acompanha essa conclusão, como se verifica da interpretação conferida por Rafael Maffini4: “Mesmo diante da referida decisão do STF, que suspendeu preceitos da EC 19/1998 e retomou o texto original do art. 39 da CF, o texto constitucional, ao que parece, mantém uma exceção à regra geral do RJU. Trata-se de situação dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às epidemias, referidos o art. 198, § 4º e seguintes da Constituição Federal. Em relação a tais profissionais, admitidos pelos gestores locais do sistema único de saúde, dispõe o art. 198, § 5º, da CF, com a redação dada EC 51/2006, que “lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação” de suas respectiva atividades. A referida Lei Federal consiste na Lei 11.350/2006, cujo art. 8º dispõe que os “Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais dos SUS e pela Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa”. Ou seja, admitiu-se a possibilidade de aplicação de um regime celetista a pessoas que exercem funções em entidades que, em geral, estariam submetidas a um regime funcional único de natureza estatutária. Cumpre salientar que tal conclusão, ou seja, o entendimento de que a referida exceção continua em vigor, mesmo diante do pronunciamento do STF, se deve ao fato de que a Corte Constitucional não proclamou a inconstitucionalidade material da EC 19/1998, mas o seu vício formal. Isso implica dizer que 3 Direito Administrativo Descomplicado, 18ª Edição, Rio de Janeiro, Forense, 2010. 4 Direito Administrativo. 2.ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2008, p. 245.


o STF não decidiu que a Constituição Federal, em seu conteúdo, obriga a existência de um RJU, como, aliás, defendem vários autores, capitaneados por Celso Antônio Bandeira de Mello. Decidiu-se, no referido precedente, de natureza cautelar, tão-só pela grande plausibilidade de inconstitucionalidade formal da regra da EC 19/1998 que alterara o texto original da Constituição. Posição que podemos conciliar com o de Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes5, quando aduzem ser: "... plenamente admissível a disciplina contratual no âmbito da administração. Afigura-se plenamente compatível com o texto constitucional em vigor a adoção do regime contratual de caráter trabalhista no âmbito da administração pública federal, estadual e municipal". Por essa vereda, o regime jurídico de contratação de agentes comunitários e endêmicos não se submete à tradicional abordagem conferida pelo regime jurídico único, após suspensão de eficácia da EC nº 19/1998, por força de disposição constitucional que conferiu a possibilidade de recepcionar tratamento diverso, que será definido em lei regulamentadora por cada ente estatal, podendo se dar tanto pelo regime estatutário quanto pelo regime celetista6. 4.1 – Transposição de cargos. 5 A superação do regime único: legitimidade da admissão de servidores públicos sob o império da consolidação das leis do trabalho. In: Revista Jurídica Virtual. Brasília: Presidência da República, ano 1, n° 1, maio, 1999. 6 Veja-se, a respeito, a decisão da ADI nº 70027568724/2008, a seguir ementada: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA E DE LITISPENDÊNCIA REJEITADAS. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA A CONTRATAÇÃO DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE E AGENTES DE COMBATE ÀS ENDEMIAS, MEDIANTE PROCESSO SELETIVO DE PROVAS E TÍTULOS E SOB O REGIME JURÍDICO DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS – CLT. EXPRESSA AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PREVISÃO NOS §§4º E 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REGULAMENTADOS PELA LEI FEDERAL Nº 11.350/2006. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA REJEITADA. POR MAIORIA. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO E DE LITISPENDÊNCIA AFASTADAS E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (TJRS, ADI nº 70027568724/2008 – Cível, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Relator: Des. Luiz Felipe Silveira Difini, Comarca de Origem: Porto Alegre. Julgamento em 09/11/2009, publicação no DJ em 03/03/2010); bem como na Apelação Cível nº 2010.007107-9, cuja ementa e trechos pertinentes do voto proferido se transcrevem: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL EM FACE DO MUNICÍPIO DE MACEIÓ. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. ABSTENÇÃO DE NOMEAÇÃO DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. PEDIDO DE INTERVENÇÃO DO SINDICATO DOS AGENTES NO PROCESSO. ADMISSÃO COMO ASSISTENTE SIMPLES. ERRO NA APRECIAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. DIREITO ADQUIRIDO APÓS A VIGÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51/2006. EFEITOS DA DECISÃO SOBRE A ESFERA JURÍDICA DOS AGENTES COMUNITÁRIOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS LITISCONSORTES. NULIDADE DO PROCEDIMENTO. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO. NULIDADE SANADA. RECONHECIMENTO JURÍDICO DO PEDIDO POR PARTE DO MUNICÍPIO. RECURSO INTERPOSTO PELO LITISCONSORTE. POSSIBILIDADE. ARTIGO 48 DO CPC. RECURSO CONHECIDO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL SUBJETIVA DAS LEIS MUNICIPAIS NºS 5.669/07 E 5.670/07. EMENDA PARLAMENTAR À PROJETO DE LEI DE INICIATIVA RESERVADA DO CHEFE DO EXECUTIVO. POSSIBILIDADE. PRERROGATIVA DO PODER LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DE AUMENTO DE DESPESA. MERA REPETIÇÃO DO TEXTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51/2006. INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51/2006. VIOLAÇÃO À REGRA QUE EXIGE PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO COMO REQUISITO PARA PROVIMENTO DE CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS. NÃO OCORRÊNCIA. REGRA JÁ MITIGADA PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, EM DIVERSOS DISPOSITIVOS. EFETIVAÇÃO DA ISONOMIA MATERIAL OU SUBSTANCIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À CLÁUSULA PÉTREA. MERA SIMPLIFICAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE SELEÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO PROCEDIMENTO SELETIVO REALIZADO ANTES DA EDIÇÃO DA EC 51/2006 PARA ADMISSÃO DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. BOA-FÉ DOS CANDIDATOS. ADOÇÃO DE PARÂMETROS OBJETIVOS NA FASE DE ENTREVISTA. AUSÊNCIA DE PROVAS SOBRE EVENTUAIS FAVORECIMENTOS PESSOAIS. PROCEDIMENTO REGULAR. PRESCRIÇÃO CONFIGURADA. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA JULGADA IMPROCEDENTE. [...] Como se vê, tal modificação possibilitou aos gestores locais do sistema único de saúde a admissão de agentes por meio de processo seletivo público, sob regime jurídico estatutário ou celetista, conforme faculdade do gestor. [...]Contudo, para que não pairem dúvidas, cabe destacar que também não se visualiza afronta à Constituição nesta disposição, uma vez que o artigo 198 da CF é claro ao prevê que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único. E o artigo 24, inciso XII menciona que é de competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal, da União e dos Municípios legislar sobre proteção e defesa da saúde. Ou seja, por ser de competência concorrente, cabe a União, nos termos do §1º deste mesmo artigo, legislar apenas sobre normas gerais, cabendo aos demais entes complementá-la. E, efetivamente, foi o que ocorreu, pois a União editou a Lei nº 11.350/1006, estabelecendo como regra o regime celetista, mas, em seu artigo 8º, in fine, conferiu aos demais entes amplas possibilidades de adoção de regime diverso.” (TJAL, , Órgão: 1ª Câmara Cível, Relator Des. Tutmés Airan de Albuquerque Melo, Comarca de Origem: Maceió, Julgado em 27.10.2011, Publicado em 21.11.2011)


Dada a existência de contratações de agentes ocorrida antes da regulamentação constitucional da matéria, e mesmo considerando-se hoje a falta de definição sobre o regime jurídico a ser adotado, sem falar na possibilidade se encontrarem localidades onde convivam as duas realidades (celetista e estatutária), uma coisa nos parece certa: os agentes comunitários e endêmicos de cada ente estatal devem se submeter ao mesmo regime jurídico. Não se mostra adequado, segundo vemos, que no âmbito de uma mesma Administração, por exemplo, hajam ACS’s e ACE’s ocupando a condição de estatutários junto a uma secretaria de saúde vinculada ao poder executivo de determinado Município e ostentem a de celetistas junto à fundação municipal de saúde daquela mesma comunidade. Não nos descuremos, pois, daqueles que se encontram contratados como agentes antes da opção do Poder Público pelo regime a ser adotado, faculdade que lhe foi conferida pela superveniência da EC nº 51/2006. Assim, além da discussão que cerca o regime jurídico de trabalho, e percebida a existência de agentes contratados pelo regime celetista ou pelo estatutário, surge questionamento sobre a possibilidade de se transpor agentes vinculados ao regime celetista para o regime estatutário. Transposição ou transformação essa considerada tanto para os agentes oriundos de processo de certificação de seleção anterior à EC 51/2006, quanto para aqueles ingressantes na Administração por meio de processo seletivo público para contratação definitiva, realizado após a EC 51/2006. Embora se saiba que a transformação ou transposição – tratando-se indistintamente dos institutos –, uma vez que se configure ascensão funcional para cargo ou emprego com conteúdo ocupacional diverso do de origem, ou provimento derivado de cargos ou empregos públicos, deve ser tida por inconstitucional, cumpre registrar que a situação dos agentes ora debatidos dispõe de certas peculiaridades. Isso porque não se está a tratar da matéria sob a ótica da inequívoca inviabilidade jurídica da utilização dos institutos da transposição e/ou transformação quando concebidos como formas de provimento de cargo. No caso dos profissionais aqui abordados, eventual proposta de mudança do regime jurídico de ACS e ACE precisa considerar que eles foram submetidos a um processo seletivo público, ou cujo processo público admissional autorize seu aproveitamento pela Administração, nos termos da EC nº 51/2006; e que, além disso, haverá, em regra, a manutenção do conteúdo ocupacional, das suas atribuições e dos requisitos para exercício no novo cargo ou emprego, dado que não foram promovidas mudanças relevantes nesse sentido, entre a prática antes adotada e a regulamentação hoje incidente. Como se sabe, a criação de cargo ou emprego significa sua institucionalização com denominação própria, previstas em número certo, função específica e correspondente retribuição por pessoas jurídicas de direito público e como regra se dá através de lei. Já a transformação implica numa alteração que atinge a natureza do cargo ou emprego. Por sua vez, a extinção do cargo ou emprego acarreta no seu desaparecimento. De forma geral, a criação, transformação e extinção de cargos, funções ou empregos do poder Executivo exige lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, abrangendo a administração direta, autárquica e fundacional. Dentro desse contexto, preciso distinguir com maior precisão a transposição da transformação. Em nossa sede constitucional, a transformação do cargo, evento de maior consistência e relevância, foi expressamente mencionada no § 4º, do artigo 40 e no artigo 48, inciso X, ambos da Carta Política. A transposição, menos impactante, é o deslocamento de cargo do antigo para o novo sistema de classificação, sem mudança de relevo nas atribuições. Já a transformação, consiste na efetiva alteração de atribuições, responsabilidades e, consequentemente, de vencimentos. Portanto, a


essência da distinção entre os institutos reside na mudança, ou não, de atribuições do cargo ou emprego existente, sendo despicienda a mera alteração nominal. Vindo os agentes comunitários e endêmicos a dispor da possibilidade de aproveitamento ou mesmo diante da inicial contratação sob determinado regime de contratação, mediante, ao que se percebe, diminuta ou nenhuma alteração de suas atribuições funcionais, não nos parece que haja qualquer empecilho a admitir a incidência dos institutos em testilha, ou mais precisamente da transposição de cargos ou empregos, inclusive quanto a natureza dos regimes adotada (celetista ou estatutário). Assim, segundo Cristiane Coutinho: “Concluindo, pode-se afirmar que a transposição de servidor público celetista para estatutário pode ser realizada dentro dos ditames da CF/88, desde que o acesso do servidor no provimento originário de vínculo celetista tenha sido realizado mediante prévia realização de concurso público, nos moldes previstos no artigo 37, inciso II, da CF/88. Ademais, a fim de não ser considerada ascensão, faz-se necessário que o posto antigo e o novo tenham mesmo nível de escolaridade, atribuições e remuneração.” (in Transposição de emprego público para cargo público. Disponível em: <http://luizcarlos.net.br/2013/04/29/transposicao- de-emprego-publico-para-cargo-publico/> Acesso em: 20 fev 2014) Não obstante, nesse aspecto somente a mudança do regime celetista para o estatutário ou institucional7 tem sido admitida; sendo vetado o caminho inverso. Isso, claro, desde que o ingresso tenha se dado através de via aceita constitucionalmente, que no caso se dá através do processo seletivo público de admissão. Mesmo porque, há de se concordar que não há direito adquirido a regime jurídico funcional8, passando a vigorar as regras, direitos e obrigações pertinentes àquele a que estiver vinculado o agente público. Derradeiro, importante considerar, outrossim, que os empregados públicos da Administração direta, autárquica e fundacional são beneficiários da estabilidade prevista no artigo 41 da CF, a exemplo dos agentes estatutários (Súmula 390 do TST). 5 – Regime jurídico previdenciário. Outro assunto que calha à discussão, diante da possibilidade de se ter agentes vinculados ao regime celetista ou ao regime estatutário, nos termos do artigo 8º da Lei 11.350/2006, é quanto ao regime previdenciário aplicável a cada hipótese. Isso porque, uma vez declinada a possibilidade de escolha do regime jurídico a ser adotado para a contratação dos agentes, há repercussão direta sobre a identidade do regime jurídico previdenciário que se lhes socorrerá. Uma vez que a contratação dos agentes de saúde e de combate às endemias seja feita pelo regime jurídico estatutário, a vinculação se dará ao Regime Próprio de Previdência – RPPS, para 7 Nesse sentido, o STF não prece encontrar empecilhos na alteração, passando do regime celetista para o estatutário, conforme se observado decidido no MS nº 24.523/DF, da relatoria do então Ministro Eros Roberto Grau, onde se discutiu a existência de direitos dimanados após essa transição. 8 O STF entendeu pela impossibilidade da conjugação dos direitos originados do regime celetista com os direitos decorrentes da relação estatutária, em decorrência da inexistência de direito adquirido a regime jurídico, conforme se nota, por exemplo, do MS nº 22.094/DF, Plenário, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, DJ 25.02.2005, e o AI 830.455/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 07.02.2011, cuja decisão está assim ementada: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. 1. TRANSPOSIÇÃO DE REGIME JURÍDICO CELETISTA PARA O ESTATUTÁRIO: AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. 2. REDUÇÃO DO VALOR DA REMUNERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO”.


se atender ao previsto no art. 40, caput, da CF. Malgrado, caso não exista o RPPS no ente público, ou verificando-se a adoção do regime jurídico celetista, a vinculação será ao Regime Geral de Previdência – RGPS, nos termos do art. 201 da CF. Além disso, diante da possibilidade ainda vigente de contratação temporária por necessidade de excepcional interesse público, conforme artigo 16, da Lei nº 11.350/2006, importante registrar que a vinculação nesses casos será ao Regime Geral de Previdência, uma vez que não pertencem ao quadro permanente da Administração, não restando investidos em cargo público para que se justifique sua filiação ao Regime Próprio eventualmente existente. 6 – Processo seletivo público. A partir da Lei nº 11.350/2006, a regra para a contratação dos agentes de saúde e os de combate às endemias é o processo seletivo público, de provas ou provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Trata-se dos casos de admissão em caráter permanente, em que esses agentes terão vínculo ao regime estatutário ou ao regime celetista. Sobre isso, há previsão constitucional no artigo 198, § 4º, da realização do processo seletivo público para que os gestores locais do SUS realizem as necessárias contratações em caráter permanente. No entanto, pende de melhor exame conceituação mais precisa do que efetivamente seja “processo seletivo público”. Consistiria numa nova forma de seleção simplificada? Ou ainda numa modalidade especial um concurso público? Impõe-se asseverar que o processo seletivo público não seja uma forma de seleção simplificada, porque isso remeteria à forma de contratação estabelecida no art. 37, IX, da CF (contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público), hipótese de exceção, prevista na Lei 11.350/2006, enquanto que no caso se está a inferir sobre as contratações permanentes. Outrossim, tanto é exceção, a contratação temporária, cujo processo de admissão há de se diferenciar daqueles da contratação permanente, que a Lei nº 11.350/2006 assim previu a contratação temporária. Destarte, como a própria Lei nº 11.350/2006 estabeleceu o regime celetista e o regime estatutário como regras para a contratação, há certa inclinação a que o processo seletivo público será aplicado para seleção de possíveis agentes que terão vínculo permanente com a Administração. Não existindo o vínculo precário, está se referindo então a uma seleção que se transparece nos moldes de um concurso público. Disso dizer que o processo seletivo público é modalidade assemelhada – embora não se confunda – ao concurso público, embora com ele não precise necessariamente se confundir, vez que ambas as figuras foram constitucionalmente asseguradas como forma de ingresso no serviço público, sendo esta segunda especificamente para o caso dos agentes, que serão selecionados para serem investidos em cargo ou emprego público, conforme a realidade de ente contratante. Não obstante, impossível descurar que a escolha pelo legislador da expressão processo seletivo público (e não concurso público) deveu-se ao fato de existirem peculiaridades desse regime, como o fato do Agente Comunitário de Saúde ser obrigado a comprovar que reside na área da comunidade em que irá atuar, desde a data da publicação do edital do certame, por força do artigo 6º da Lei Federal nº 11.350/2006), condição que não se coadunaria com a natureza do concurso público,


que, como cediço, é aberto, dele podendo participar qualquer pessoa, independentemente de vínculos residenciais ou sociais com a comunidade. A localidade, o vínculo com a comunidade, é característica ínsita à condição desses agentes. Assim, pelo menos a regra de que o agente comunitário de saúde deve comprovar residência na área da comunidade em que irá atuar diferencia o processo seletivo público do concurso público, mas, no geral, o processo seletivo público deve se assemelhar ao concurso previsto no art. 37, inciso II, da CF. São particularidades que intrincam a discussão, sendo ideal que todos os direitos e obrigações especiais também constem expressamente do ato convocatório admissional. Outro ponto que se procura seja abordado, volve-se para a comprovação de títulos quando da apuração para o ingresso dos agentes. Como a Carta Magna, em seu artigo 37, inciso II, estabeleceu a opção em se aplicar somente provas, ao invés de provas e títulos, como o faz a Lei 11.350/2006 em relação ao processo seletivo público, percebe-se a condição subalterna da fase de títulos, daí poder-se afirmar que seu caráter é meramente classificatório, assumindo caráter acessório e complementar quando comparada às provas de conhecimento. Ademais disso, mesmo havendo distinção entre os conceitos de concurso público e de processo seletivo público, dada a falta de regulamentação de pormenores procedimentais, e mesmo da ausência de histórico jurisprudencial razoável analisando a matéria, há uma tendência a que grande parte das regras daquele acabem sendo aplicadas também a este. Nessa toada, poder-se-ia, analogamente interpretar que a convocação seria termo do ato admissional que divisa o prazo de validade do processo seletivo público, a exemplo do que pronuncia Jorge Ulisses Jacoby Fernandes para os concursos públicos. Note-se da exposição do citado autor: “Cabe ainda considerar que as convocações e não as nomeações deverão ser feitas dentro do prazo de validade do concurso público. O art. 37, III, da Constituição Federal, limita a validade do concurso a dois anos, prorrogável por igual período. Realizada a convocação dentro deste prazo, a concretização dos atos administrativos necessários, entre eles a nomeação e posse, poderá dar-se em momento posterior, buscando apenas dar efetividade ao preceito. Se o prazo de validade é de até dois anos, previsto no edital, não poderá ser menor. Perseguindo esta linha de raciocínio, a Administração poderá convocar candidatos dez dias antes do fim do prazo, justamente porque este não se esgotou. E está certa em agir desta forma, se a convocação estiver arrimada em conveniência e oportunidade para a Administração. Só que o prazo faltante para encerrar a validade do concurso pode mostrar- se insuficiente para a promoção dos atos necessários à admissão, sujeita a prorrogações legais, prazos para publicação, recursos legais, e outros obstáculos legais. Com este quadro, parece natural que os atos complementares possam ser feitos após vencido o prazo. Trata- se de dar efetividade ao preceito limitante, dentro de princípios comezinhos de razoabilidade. E a própria Constituição Federal parece dar vazão a este entendimento, pois o art. 37, IV, estabelece que, no prazo de validade, o candidato aprovado será convocado com prioridade sobre novos concursados. Fala-se, deste modo, em convocação, e não em admissão, o que permite uma argumentação por absurdo: se o candidato é convocado um dia antes do vencimento do prazo, terá prioridade sobre novos concursados, e ao mesmo tempo não poderá assumir o cargo, pela impossibilidade prática de realizar os atos preparatórios no prazo faltante. Por outro lado, o inc. II do mesmo artigo fala em investidura (que se materializa com a posse), sem referência a prazo. A combinação dos incs. II, III e IV do art. 37 da Constituição Federal parece melhor situar a questão. O inc. II se refere à investidura mediante prévio concurso, sem aludir a prazo; o inc. IV diz que a convocação poderá dar-se no prazo estipulado no inc. III, mas não exige expressamente que todos os atos admissionais se dêem no prazo. Parece não ser outra a conclusão: a convocação é a conseqüência prática do concurso e esgota a incidência deste, vale dizer, o concurso serve para que a Administração Pública tenha candidatos hábeis a serem convocados. Após a convocação, os atos administrativos posteriores deixam de ter relação direta com o certame, passando a


integrar a atividade da Administração. Em outras palavras, a influência do concurso se encerra com a convocação; a posse e nomeação não são etapas do concurso, e não sofrem a objeção de prazo.” (Os Tribunais de Contas e o controle sobre as admissões no serviço público. Revista do TCEMG nº 02/2002) Assim, existe previsão constitucional para a realização do processo seletivo público, permitindo que os gestores locais do SUS realizem as necessárias contratações em caráter permanente. Segundo a previsão, os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. Disso deflui, de imediato, que essa seleção não importaria numa forma meramente simplificada, porque isso remeteria à forma de contratação estabelecida no artigo 37, inciso IX, da CF (contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público), que se trata da exceção prevista na Lei 11.350/2006. Então, evidente que o processo seletivo público não é processo seletivo simplificado, visto que, se assim o fosse, a Lei nº 11.350/2006 teria utilizado a nomenclatura processo seletivo simplificado em todos os artigos nos quais se utilizou do título processo seletivo público para que não houvesse interpretação equivocada, e, além disso, não teria previsto a exceção por meio da contratação temporária. Se a própria Lei 11.350/2006 estabeleceu o regime celetista e o regime estatutário como regras para a contratação, decorre daí que o processo seletivo público será aplicado para seleção de possíveis agentes que terão vínculo permanente com a Administração. Não existindo o vínculo precário, está se referindo então a uma seleção que se transparece nos moldes de um concurso público. Daí dizer que o processo seletivo público é um concurso público qualificado ou especial, que selecionará agentes que serão investidos em cargo ou emprego público, cujos agentes admitidos estão adstritos a requisitos específicos previstos na Lei 11.350/2006, e por isso especiais. Diante da situação especial em que se caracteriza o processo seletivo público, é possível que seja realizado de forma menos complexa que o concurso público, desde que tal caráter não prejudique o princípio constitucional da publicidade, o princípio da isonomia entre os possíveis concorrentes e a lisura do certame. Em qualquer situação estabelecida para a realização do seletivo, necessário se faz que as provas ou provas e títulos guardem relação com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego públicos, conforme art. 9º, caput, da Lei 11.350/2006. Por sua vez, a previsão constitucional de que lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público é realizada por meio do processo seletivo simplificado. No caso dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, o permissivo legal para tal contratação encontra-se na Lei 11.350/2006, em seu artigo 16, limitando-a à hipótese de combate a surtos endêmicos, que, como visto, não deve ser interpretada isoladamente. Nesse particular, fica implícito que as hipóteses para contratação temporária permitidas na Lei 11.350/2006 não podem destoar, restritivamente, daquelas previstas no artigo 37, inciso IX, da CF, uma vez que estas se voltam à preservação do interesse público. Prevalecem, nesses casos, os princípios fundamentais da supremacia do interesse público e da continuidade do serviço público. 7 – Competência para dispor sobre piso salarial e categorias profissionais.


Questão não menos importante é aquela sobre a competência para dispor sobre o piso salarial e as categorias profissionais dos ACS’s e ACE’s e a possibilidade de sensíveis repercussões financeiras sobre os Municípios contratantes. A divergência surgiu com a EC nº 63/2010, que conferiria essa prerrogativa à União para disciplinar a matéria, e que foi alvo da ADI 4.801-DF, tramitando em regime abreviado. Ora, parece inconcebível que a União deva legislar sobre questão tão intimamente local como é ínsito da atribuição conferida aos agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. Malgrado, diante da alteração constitucional, em termos práticos, ou até que sobrevenha decisão suprimindo a eficácia da EC nº 63/2010, os Municípios devem regulamentar a matéria naquilo que não incompatível com a regulamentação federal ou então questionar a constitucionalidade e aplicabilidade do dispositivo. Mesmo porque, não se olvida que a possibilidade de ocorrência de normas constitucionais inconstitucionais ou, em geral, inválidas, como teorizada por Otto Bachof, e que representa um problema relativamente atual do direito constitucional e da própria hermenêutica. Sobre outro ponto de vista, pode ser outro o sentido da norma em comento, caso por vezes, da adoção de mera concepção diferenciadora entre texto e norma da constituição, imprescindível para a superação dos ranços hermenêuticos que ainda insistem em se mostrar presentes em algumas situações, conforme ensina Lenio Luiz Streck9: “... não obstante os avanços das teses antimetafísicas de cunho lingüístico-fenomenológicos, não é temerário dizer que a dogmática jurídica sofre ainda de uma compulsiva lógica da aparência de sentidos, que opera como uma espécie de garantia de obtenção, em forma retroativa, de um significado que já estava na lei desde sua promulgação. Acredita-se ainda no legislador como sendo uma espécie de onomaturgo platônico ou que o Direito permite verdades apofânicas. [...] há uma constante busca do “correto sentido da norma”, um sentido “dado”, um “sentido-em-si”, enfim, uma espécie de “sentido-primevo-fundante”. A Constituição Federal foi concebida como instrumento rígido composto por cláusulas pétreas, vindo o seu artigo 60, § 4º, inciso I, a vedar propostas de emendas tendentes a abolir a forma federativa de Estado. No entanto, a EC nº 63/2010, da forma que foi concebida, e não sendo possível conformar-se sua interpretação com a matriz constitucional pétrea, uma vez que encontrar-se-ia em total desatenção à forma federativa previamente estabelecida, ferindo uma das cláusulas pétreas elencadas pela Constituição, não deve viger, já que, ao tentar favorecer uma atividade profissional específica do Sistema Único de Saúde (SUS), acabou por não respeitar as normas de observância obrigatória, criando assim, vício material quanto ao conteúdo da referida Emenda Constitucional. Simplesmente cumprir com as determinações propostas pela EC 63/2010 implica no desrespeito a diversos princípios constitucionais, notadamente quanto ao esperado tratamento paritário ou isonomia em relação aos demais servidores públicos que não contam com as prerrogativas dos agentes comunitários e dos agentes de combate às endemias. A somar-se, a autonomia financeira também surge como um dos princípios norteadores da autonomia Municipal, sendo que, nos termos do que estabelece o artigo 30, inciso III, da Constituição Federal, é competência municipal a instituição e arrecadação dos tributos sob sua competência, bem como a aplicação dessas rendas. É exatamente a autonomia financeira permite que o Município tenha receita própria para a realização de despesas necessárias para a manutenção da máquina pública municipal. 9 Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 74.


Dessa maneira, além de afrontar a autonomia municipal, conforme debatido, também estabelece padronização divergente dos demais servidores públicos municipais. Mostra-se inconcebível que a União legisle sobre piso salarial e diretrizes de Planos de Carreira de Estados e Municípios que apresentam realidades tão divergentes, valendo observar que o tema já foi enfrentado pelo STF no julgamento da ADI 4.167/DF, que tratou da fixação do piso nacional para os profissionais do magistério (referente à EC 53/2006). Naquele julgamento, o Ministro Marco Aurélio posicionou-se contrariamente à pretensão da União em nacionalizar o piso salarial dos profissionais do magistério, pronunciando que seria ininteligível que a mesma viesse a legislar sobre serviços que ocorram em áreas geográficas de estados e municípios. Ora, quanto mais em se tratando dos agentes comunitários e endêmicos, cuja expressão máxime diferenciadora é a localidade e variabilidade ambiente de suas atuações. Se por outro lado, agora de efeitos materiais ou concretos, a União legislar, como se dará a assimilação dos impactos, sobremodo os financeiros, bem como as adequações a fim de atender a prescrições da Lei de Responsabilidade Fiscal? São todas questões que abundam, dada a densidade e importância da matéria, com amplo impacto no âmbito da Administração Pública e de inequívoco interesse comunitário. Daí porque impossível que a União venha a legislar sobre a matéria, devendo os entes atingidos pela norma – inconstitucional – tomarem as providências necessárias a sustar a aplicabilidade da referida disposição contida na EC nº 63/2010. 7 – Regime jurídico temporário. Permitindo que a União, os Estados e os Municípios editem lei que estabeleça os casos de vinculação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, a Constituição Federal de 1988 disciplinou a matéria em seu artigo 37, inciso IX. O regime temporário ou excepcional, não possuiria colmatação de cargo nem emprego público, mas apenas de função autônoma durante o período de atendimento das necessidades temporárias do Poder Público ou da temporariedade dessas atribuições então reclamadas para o atendimento do interesse público. O cargo público, não se desconhece, é o lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria, atribuições e responsabilidades específicas, para ser provido e exercido por um titular, na forma estabelecida em lei. É a forma pela qual um servidor integra o órgão público e passa a exercer a competência que lhe foi atribuída, denominada também como função pública e, assim, colaborar com o funcionamento da máquina estatal. De outro tanto, o emprego público é o núcleo de encargo de trabalho permanente a ser preenchido por um agente contratado para desempenhá-lo, sob relação trabalhista, aplicando-se a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), apesar de ter interferências da esfera governamental. Trata-se aqui de empregado público, cuja atribuição não pode incluir funções privativas ou essenciais do Estado. Já a função pode ser entendida como o conjunto de atribuições que a Administração confere a cada categoria profissional ou comete individualmente a determinados servidores para a execução de serviços eventuais, sendo remunerados por meio de pro labore. Etimologicamente possui ainda significados, dentre os quais, como ensina Edmir Netto de Araújo:


“... ação própria ou natural de um órgão, serviço ou ofício; cada uma das grandes divisões da atividade do Estado na consecução de seus objetivos jurídicos; o conjunto dos direitos, obrigações e atribuições de uma pessoa em sua atividade profissional específica, e assim por diante.” (Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 2010, p. 281 e 282) Por isso, a função refere-se à atividade exercida pelo agente público, não possuindo uma individualidade própria definida em lei, envolvendo o exercício de uma ação sem que haja necessariamente previsão de seu exercício no quadro de competências atribuídas aos titulares de cargos ou empregos públicos. Enquanto todo cargo ou emprego possuem funções previamente definidas, dentro das competências que são atribuídas aos seus titulares, há funções que não correspondem a um cargo ou emprego. Isso ocorre, consoante Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em duas situações. Primeiramente, quando o agente que ocupa determinado cargo pode, concomitantemente, exercer uma função de confiança, ganhando um valor adicional pelo exercício dessa função. Essa função de confiança é relativa à função de chefia, direção, assessoramento ou outro tipo de atividade para a qual o legislador não crie o respectivo cargo. Em geral, são funções comissionadas, de livres provimento e exoneração (art. 37, V, CRFB). Em uma segunda situação, o agente que exerce função em caráter temporário de excepcional interesse público, não ocupado cargo ou emprego. São as funções exercidas pelos contratados temporariamente com base no art. 37, IX, CF, para qual não se exige, necessariamente, concurso público, porque, às vezes, a própria urgência da contratação é incompatível com a demora do procedimento. Nessa toada, função é apenas uma atribuição ou um rol de atribuições cometido a determinado agente público para a execução de serviços eventuais ou transitórios, o que confirma a hipótese de que pode existir uma função autônoma sem cargo ou emprego.10 Tem-se entendido que os servidores temporários são contratados para exercer funções em caráter temporário, mediante regime jurídico administrativo, ou seja, um regime jurídico especial, a ser disciplinado em lei de cada unidade da federação. Essa nomenclatura foi cunhada pelo Supremo Tribunal Federal em seus julgados: “AGRAVOS REGIMENTAIS EM RECLAMAÇÃO. ADI-MC 3.395/DF. CONTRATO TEMPORÁRIO. REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO. 2. No julgamento da medida cautelar na ADI n° 3.395/DF, entendeu o Tribunal que o disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária, entendida esta como a relação de cunho jurídico-administrativo. Os contratos temporários firmados pelo Poder Público com base no estatuto jurídico de seus servidores submetem-se ao regime jurídico- administrativo. 3. Não compete ao Tribunal, no âmbito estreito de cognição próprio da reclamação constitucional, analisar a regularidade constitucional e legal das contratações temporárias realizadas pelo Poder Público. 4. Agravos regimentais desprovidos, à unanimidade, nos termos do voto do Relator.” (Rcl 4990 MC-AgR/PB, STF. Tribunal Pleno. Relator Min. Gilmar Mendes. Julgamento 12.12.2007. DJ 13.03.2008) Esse regime deve atender ao menos três pressupostos: determinabilidade temporal, visto que os contratos firmados devem ter sempre um prazo determinado suficiente para pôr fim à situação transitória que lhe deu causa; temporariedade, dada a necessidade do serviço deve ser sempre temporária; o que não é permanente; aquela que possui fim próximo; excepcionalidade do interesse 10 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 22ª ed., 2008, pP. 517 a 520.


público, já que a constituição deixou claro que situações administrativas comuns (rotineiras) não podem ensejar o chamamento de agentes temporários. É o se extrai o seguinte julgado: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. I. - A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37 e a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público: C.F., art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos casos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público excepcional. II. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 1.500/ES, 2.229/ES e 1.219/PB, Ministro Carlos Velloso; ADI 2.125-MC/DF e 890/DF, Ministro Maurício Corrêa; ADI 2.380-MC/DF, Ministro Moreira Alves; ADI 2.987/SC, Ministro Sepúlveda Pertence. III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.” (ADI 3210/PR. STF-Tribunal Pleno. Rel. Min. Carlos Velloso. DJ 03.12.2004 PP-00012) De modo geral, a Constituição prevê que a lei estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme transcrição do artigo abaixo: “Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;” Sobre o tema, discorre o abalizado Celso Antônio Bandeira de Mello: “... trata-se de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária, sendo incompatível com o regime normal de concurso público. O dispositivo contempla as situações nas quais a própria atividade a ser desempenhada é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não havia cogitar de concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade, por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse comum que se tem de acobertar. (Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 27ª ed., 2010, p. 285) Dado ser o agente público temporário espécie excepcional porém peculiar na organização de pessoal na Administração Pública, é de fundamental importância a sua definição e sua classificação entre os agentes públicos, bem como o regime jurídico ao qual está vinculado, determinando, assim, quais são os direitos e deveres nessa relação entre o temporário e a Administração. O primeiro aspecto que demanda consideração é a necessidade de prévia lei regulamentadora, expedida pelo ente público responsável pela contratação dos agentes temporárias. Isso significa, a princípio, que nenhum ente federativo poderá valer-se da lei reguladora editada por outro, devendo, citados diplomas específicos, atender aos princípios da razoabilidade e da moralidade, não podendo abranger hipóteses genéricas, nem deixar sem definição, ou em aberto, os casos de


vinculação temporária, que são excepcionais e merecem previsão taxativa. Dessa forma, só podem prever casos que efetivamente justifiquem a vinculação de temporários, mesmo porque ela prescinde da via ordinária para ingresso no serviço público. A redação dada para o artigo 37, inciso IX, da Carta Magna não cria maiores restrições no que tange às disposições que agasalharão o regime de contratação transitório, podendo-se estabelecer uma relação mista, ou seja, em que se apliquem aos agentes temporários preceitos dos estatutos dos servidores públicos e das leis trabalhistas. Em nível federal, a Lei nº 8.745/1993, assim dispôs, determinando em seu artigo 11 a aplicação de vários preceitos do Estatuto Federal àqueles em regime temporário. No caso específico dos agentes comunitários e endêmicos também ressai a importância de se ver declinado o entendimento sobre o permissivo legal para a contratação temporária, constante do artigo 16 da Lei nº 11.350/2006, limitando-a à hipótese de combate a surtos endêmicos. Nesse particular, ficou implícito que o gestor local do SUS deverá comprovar a situação de surto endêmico para justificar as contratações temporárias necessárias. Todavia, esse dispositivo não deve ser interpretado de modo a restringir o campo de aplicação previsto no artigo 37, inciso IX, da CF, tampouco descurar da observância dos requisitos lá previstos, que devem ser atendidos juntamente com aqueles previstos em lei específica local que trate do tema, entre eles a previsão legal das hipóteses e prazos de contratação por tempo determinado, a realização de processo seletivo simplificado. Deve, ademais, restar caracterizada a necessidade temporária e a presença de excepcional interesse público. Observado o dispositivo constitucional, e não apenas a única hipótese legal prevista expressamente, mostra-se viável contratar, por tempo determinado, agentes de saúde e agentes de combate às endemias, verbi gratia, para substituição de agentes do quadro permanente em situação de licenças e afastamentos legais, ao se considerar os princípios fundamentais da supremacia do interesse público e da continuidade do serviço público, e ainda mais em razão de que o serviço de saúde possui uma essencialidade ou relevância qualificada em relação a outros serviços oferecidos pela Administração Pública. 8 – Recente reforma do regime jurídico legal pela superveniência da Lei Federal nº 13.585/2018. A Lei Federal nº 13.585/2018, editada em 05.01 deste mesmo ano, alterou a Lei Federal nº 11.350/2006, para dispor sobre a reformulação das atribuições, a jornada e as condições de trabalho, o grau de formação profissional, os cursos de formação técnica e continuada e a indenização de transporte dos profissionais Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias. A norma positivou o aspecto da essencialidade dos Agentes Comunitários de Saúde na estrutura de atenção básica de saúde, bem como dos Agentes de Combate às Endemias na estrutura de vigilância epidemiológica e ambiental, mas, ao nosso sentir, deixou de aprofundar a regulamentação da matéria para sanar as diversas incongruências que estamos debatendo neste trabalho, entre elas, um tratamento mais apropriado ao regime laboral em questão. Na verdade, tais agentes públicos, dada a relevância de suas ocupações profissionais, tanto para a atenção em saúde quanto epidemiológica, deveriam ter recebido um tratamento específico e apropriado de uma carreira pública que prestigiasse tal importância e as múltiplas


peculiaridades e complexidades encontradas na oferta de saúde pública nacional e combate a endemias, eis que, muitas vezes, são estes agentes os atores sistêmicos primários, imersos na realidade da assistência à saúde da população e na identificação e combate às possíveis causas de mazelas e enfermidades sociais; isso sem falar que deixaram de ser observados, indevidamente, quanto ao seu enorme potencial de extração de dados reais destas mesmas comunidades que são por eles auxiliadas, o que poderia contribuir com as definições e diretrizes de saúde. Não obstante esse quadro, segundo a nova norma, o agente comunitário de saúde teria então como atribuição o exercício de atividades de prevenção de doenças e de promoção da saúde, a partir dos referenciais da Educação Popular em Saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS que normatizam a saúde preventiva e a atenção básica em saúde, com objetivo de ampliar o acesso da comunidade assistida às ações e aos serviços de informação, de saúde, de promoção social e de proteção da cidadania, sob supervisão do gestor municipal, distrital, estadual ou federal. Por sua vez, a Lei Federal nº 13.585/2018 definiu como educação popular em saúde as práticas político-pedagógicas que decorrem das ações voltadas para a promoção, a proteção e a recuperação da saúde, estimulando o autocuidado, a prevenção de doenças e a promoção da saúde individual e coletiva a partir do diálogo sobre a diversidade de saberes culturais, sociais e científicos e a valorização dos saberes populares, com vistas à ampliação da participação popular no SUS e ao fortalecimento do vínculo entre os trabalhadores da saúde e os usuários do SUS. Além disto, segundo os artigos 7º e 8º da citada Lei, que alterou a redação da Lei Federal nº 11.350/2006, ao ente federativo responsável pela execução dos programas relacionados às atividades do Agente Comunitário de Saúde competirá a definição da área geográfica de atuação dos agentes, devendo, para tanto, observar os parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde; considerar a geografia e a demografia da região, com distinção de zonas urbanas e rurais; e flexibilizar o número de famílias e de indivíduos a serem acompanhados, de acordo com as condições de acessibilidade local e de vulnerabilidade da comunidade assistida. No caso de risco à integridade física dos agentes ou de seus familiares, a área geográfica definida poderá ser alterada. Reforçou-se ainda que ao ente federativo responsável pela execução dos programas relacionados às atividades dos agentes competirá a definição do número de imóveis a serem fiscalizados pelo Agente, observados os parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde e condições adequadas de trabalho, a geografia e demografia da região, com distinção de zonas urbanas e rurais, além da flexibilização do número de imóveis, de acordo com as condições de acessibilidade local. No mais, mas não menos relevante, pelo artigo 10 da nova Norma, a jornada de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais exigida para garantia do piso salarial deverá ser integralmente dedicada a ações e serviços de promoção da saúde, de vigilância epidemiológica e ambiental e de combate a endemias, em prol das famílias e comunidades assistidas, dentro dos respectivos territórios de atuação, sendo distribuída em 30 (trinta) horas semanais, para atividades externas de visitação domiciliar, execução de ações de campo, coleta de dados, orientação e mobilização da comunidade, entre outras; e 10 (dez) horas semanais, para atividades de planejamento e avaliação de ações, detalhamento das atividades, registro de dados e formação e aprimoramento técnico.


Enfim, ficou disciplinado que o gestor local do SUS responsável pela admissão dos profissionais, disporá sobre a criação dos cargos ou empregos públicos e demais aspectos inerentes à atividade dos agentes, desde que observadas as determinações federais e as especificidades locais, o que continuará a criar dificuldades e dissenções na categoria, dado que poderão ocorrer regulamentações distintas e diferenciadoras quando à questão do regime profissional que, ao contrário da questão da saúde e da epidemiologia de cada localidade assistida, não deveria ser tratada senão de modo uniforme. III – CONCLUSÃO. Considerada a relevância da matéria, mas sem descurar da controvérsia que sobre ela pende, sobremaneira junto aos Tribunais Judiciários e aos Tribunais de Contas pátrios, procuraremos externar a posição dos autores sobre os centros maior de discussão no que tange ao arcabouço normativo que enreda o tratamento conferido aos agentes comunitários de saúde e os agentes de combate a endemias, com a superveniência da Emenda Constitucional nº 51/2006, quais sejam eles: o regime jurídico de trabalho, o regime jurídico previdenciário, o processo seletivo público, a competência para dispor sobre piso salarial e categorias profissionais e o regime jurídico temporário. Os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias contratados de modo permanente devem estar diretamente vinculados à Administração Pública, o que poderá se dar tanto pelo regime estatutário quanto pelo regime celetista. Por sua vez, quando contratados de forma temporária, submeter-se-ão a um regime administrativo especial. Embora a decisão liminar na ADI 2135-4 do STF (14-8-2007) tenha revigorado o regime jurídico único na Administração, diante de inconstitucional meramente formal, decorrente de falha no processo legislativo da EC nº19/1998, entendemos que existe a possibilidade de opção pelo regime celetista de contratação e, consequentemente, da utilização do emprego público para admissão desses agentes, por não haver incompatibilidade material com a Constituição. A previsão de carreiras de agente comunitário de saúde e de agente de combate a endemias, deve se dar por meio de lei de iniciativa do Poder Executivo que estabeleça a quantidade de cargos, a estrutura remuneratória, o vínculo estatutário, as atribuições, os direitos, as obrigações, além dos requisitos para exercício do cargo, previstos na Lei nº 11.350/2006 e em consonância com o artigo 198, § 6º da Carta Política, incluindo as hipóteses de perda do emprego ou cargo uma vez não cumpridos os requisitos específicos para exercício da função. Assim, por exemplo, se o agente comunitário de saúde deixar de residir na área da comunidade em que atuar (artigo 6º, I, da Lei nº 11.350/2006), poderá perder seu cargo ou emprego, independentemente do vínculo, devendo tal ordem de prescrições constar expressamente do edital de admissão. Questão não menos importante é aquela sobre a competência para dispor sobre o piso salarial e as categorias profissionais dos ACS’s e ACE’s e a possibilidade de sensíveis repercussões financeiras sobre os Municípios contratantes, cuja intrincada discussão surgiu com a EC nº 63/2010, que conferiu a prerrogativa de disciplinar a matéria à União, e que foi corretamente alvo da ADI 4.801- DF, hoje tramitando em regime abreviado. Inconcebível que a União venha a legislar sobre questão tão intimamente local como é ínsito da atribuição conferida aos agentes comunitários de saúde e de combate a endemias, e que atinge diretamente a autonomia financeira dos principais expoentes


executores da política pública em testilha, que são os Municípios, responsáveis pela contratação e remuneração desses agentes.. Considerando que eventual transposição de cargos ou empregos, ou mesmo de regime celetista para estatuário, não importaria modificação relevante nas atribuições dos agentes, tampouco prejuízos a seus titulares, que não dispõem de direito adquirido a determinado regime jurídico funcional e se encontram, em ambos os casos, na condição de beneficiários da estabilidade prevista no artigo 41 da CF (conforme Súmula 390 do TST), não há óbice à adoção dessa medida, desde que promovida por meio de lei que estabeleça as regras para a transposição do regime e para o reenquadramento dos agentes em cargo público. Adotando-se o regime jurídico estatutário, os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias estarão vinculados ao Regime Próprio de Previdência, tal como prevê o artigo 40, caput, da Constituição Federal, ou ao Regime Geral de Previdência, caso o ente público não possua o Regime Próprio de Previdência. Se por outro lado, for utilizado o regime jurídico celetista, os agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias necessariamente estarão sob a égide do Regime Geral de Previdência, e, portanto, vinculados ao Instituto Nacional de Seguridade Social. Ainda, nos casos de contratação por tempo determinado por necessidade temporária de excepcional interesse público (regime jurídico administrativo ou especial), os agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias necessariamente estarão sob a égide do Regime Geral de Previdência, e, portanto, também vinculados ao Instituto Nacional de Seguridade Social. Com relação à admissão de agentes comunitários e endêmicos, quando ocorrida em caráter permanente, deve ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, promovido de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF, artigo 198, § 4º, c/c a Lei nº 11.350/2006, artigo 9º), independentemente do regime jurídico adotado, se celetista (emprego público) ou estatutário (cargo público). O processo seletivo público previsto no artigo 198, § 4º, da Constituição da República deve apresentar características similares às de um concurso público, sendo que simplificações são admissíveis desde que não comprometam a necessária publicidade, igualdade dos concorrentes e possibilidade de verificação da lisura do certame. É obrigatório, ainda, que as provas ou provas e títulos guardem relação com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego público. Como a Lei nº 11.350/2006 não dispõe expressamente sobre o prazo de validade do processo seletivo público, contudo, por analogia, aplica-se o prazo do concurso público definido pelo artigo 37, III, da Constituição da República, que estabelece o prazo máximo de dois anos, podendo ser prorrogado uma vez por igual período. No caso de processo seletivo público realizado por meio de provas e títulos, é possível considerar para efeito de atribuição de pontos aos títulos a experiência profissional do candidato nas funções de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, desde que observados os princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da proporcionalidade. As contratações temporárias de agentes comunitários de saúde e de agentes de combate às endemias são autorizadas para o caso de combate a surtos endêmicos, nos termos do artigo 16 da Lei nº 11.350/2006, bem como para as demais hipóteses compatíveis com o disposto no artigo 37, inciso IX, da CF, como se dá nos casos de necessidade de substituição temporária de agentes do


quadro permanente, decorrentes, por exemplo, de licenças e afastamentos legais, sempre realizadas para preservação do interesse público correlato. Em todo caso, a contratação temporária de agentes comunitários de saúde e de agentes de combate às endemias deve observar os requisitos constitucionais e legais, bem como aqueles previstos nas decisões normativas do Tribunal de Contas, dentre eles: a) a previsão legal das hipóteses de contratação temporária; b) a realização de processo seletivo simplificado; c) a contratação por tempo determinado; d) a necessidade temporária; e, e) a presença de excepcional interesse público. Além disto, convém pontuar que a Lei Federal nº 13.585/2018, editada em 05.01 deste mesmo ano (que alterou a Lei Federal nº 11.350/2006 para dispor sobre a reformulação das atribuições, a jornada e as condições de trabalho, o grau de formação profissional, os cursos de formação técnica e continuada e a indenização de transporte dos profissionais Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias), positivou o aspecto da essencialidade dos Agentes Comunitários de Saúde, na estrutura de atenção básica de saúde, bem como dos Agentes de Combate às Endemias, na estrutura de vigilância epidemiológica e ambiental, compreensão que vem ao encontro da necessidade de tratamento da matéria como verdadeira política de estado, e não meramente transitória de um determinado governo. Assim, ao nosso sentir, a atual norma regulamentadora deixou de aprofundar o disciplinamento da matéria para sanar as diversas incongruências que estamos debatendo neste trabalho, entre elas, um tratamento mais apropriado ao regime laboral em questão, que deveriam ter recebido um tratamento específico e apropriado de uma carreira pública que prestigiasse tal importância e as múltiplas peculiaridades e complexidades encontradas na oferta de saúde pública nacional e combate a endemias; eis que, muitas vezes, são estes agentes os atores sistêmicos primários, imersos na realidade da assistência à saúde da população e na identificação e combate às possíveis causas de mazelas e enfermidades sociais. IV – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado, 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. ARAUJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 14.ª ed. ref. amp. e at. São Paulo: Malheiros, 2002. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 21ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. DALLARI, Adílson Abreu. Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2.ª ed. rev. E at. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.


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